domingo, 18 de setembro de 2011

Contos

O pedestre

O ano era 2108. Havia certo homem, 40 anos, porte atlético, cabelos ondulados e castanhos, olhos grandes e azuis e pele branca, que morava na região da periferia de sua cidade.
Ele vivia sozinho em uma cidade futurística. Era algo quase inimaginável, como se tivesse acabado de sair dos quadrinhos. Eram carros que voavam, máquinas que faziam todo o serviço dos humanos, robôs e uma tecnologia inacreditável. Parecia que tudo era para o benefício e conforto dos humanos. Não havia como ser infeliz em um lugar que você só precisa entrar em sua casa para já ter sua comida pronta, a mesa posta, o vinho na mesa e tudo mais, sem que você precise fazer absolutamente nada, era só estalar os dedos. Um lugar onde a tecnologia era tão admirável que praticamente controlava toda e qualquer forma de comunicação. Era a era da informação, das viagens inter-estelares, colonização de novos mundos no espaço. As galáxias estavam tão próximas, que pareciam estar na esquina de casa. Era um mundo onde a conquista do universo estava bem na palma da mão dos homens. No entanto, o homem estava esquecendo da conquista de si próprio. O mundo era agora pequeno demais para ele, precisa conquistar outros lugares. Contudo, seu mundo estava cada vez mais perdido dentro de si próprio.
Albert, um engenheiro civil, trabalhava construindo grandes grandes edifícios. Ele era sozinho, não tinha uma companheira, uma família, não tinha muitos amigos e vivia longe de seus pais.
Os pais de Albert eram tão ocupados que não tinham tempo nem de visitá-lo. Natal era uma coisa que havia ficado para trás, no século XXI. Agora, no século XXII isso era uma coisa passada, uma perda de tempo. Não havia tempo para se preocuparem com tradições ou reuniões familiares.
Os filhos saíam de casa muito cedo para estudar e nunca mais voltavam para casa. Na universidade aprendiam que precisavam ser auto-suficientes, que pais apenas eram progenitores e que precisavam seguir suas vidas por si só. A vida era mais do que família, era trabalho, era a conquista de si próprio. O homem havia perdido seus valores e sua felicidade.
Certo dia, Albert abriu alguns álbuns muito antigos de seus tataravós, que viveram por volta do ano 2010. Ele viu a família reunida em festas de natal, páscoa, dia das mães e dia dos pais. Ele pensou consigo: 
- O que vem a ser isso? O que é uma família? O que é natal? O que é páscoa?
Tudo era muito confuso para a mente de nosso amigo. Ele não entendia como era possível arranjar tempo para reunir a família e ainda assim trabalhar e estudar.
- Como conseguiam fazer tudo isso? Como conseguiam trabalhar, estudar e ainda terem uma vida familiar tão feliz?ele pensava consigo.
Era muito confuso para sua mente. Ele não entendia bem o que era aquilo.
Seu coração estava só, mergulhado em dúvidas e solidão. Sua mente estava perdida e não compreendia o valor real da vida.
- O que fazemos aqui? Por que vivemos? Nossa vida é só construir? E a felicidade? Onde ela estará?
Aprofundado em seus pensamentos, ele fechou os álbuns e saiu no meio da madrugada. Não tinha destino, não carregava nada consigo, estava só. Caminhava nas ruas cheias de luzes e propagandas, que eram projetadas em terceira dimensão.
Apesar de ser madrugada, havia muita gente na rua. Estava calor e muitos estavam voltando do trabalho. Ninguém se importava com mais nada, trabalhavam até se cansarem, depois voltavam para casa, dormiam 5 ou 6 horas e voltavam para a rotina. Faziam isso dia após dia, semana após semana. Faziam isso a vida inteira, até morrerem. Pareciam estar satisfeitos com isso, mas não Albert. Ele estava confuso, estava perdido e perplexo. 
- A vida precisa ser mais do que isso!ele pensava.
Enquanto andava, cabisbaixo e pensativo ouviu uma voz pouco atrás dele.
Albert virou-se e viu um carro aéreo de polícia, com os faróis bem em cima de seus olhos. Como a luz era muito forte, ele levou sua mão na frente dos olhos para tentar enxergar quem estava lá.
De repente ouviu uma voz metálica, como se fosse de um robô. A voz era feminina e perguntava-lhe o seguinte:
- Para onde o cavalheiro está indo?
Albert ficou olhando para o carro, mas não conseguia ver quem falava com ele. A voz tornou a perguntar a mesma coisa, no que Albert respondeu:
- Sou apenas um pedestre. Estou caminhando pelas ruas.
A voz lhe informou:
- O cavalheiro sabe que os humanos não são permitidos andar mais do que 500 metros? Onde está seu veículo?
- Não estou com meu veículo. Quero caminhar apenas. Não vou arrumar nenhuma confusão. – ele respondeu. 
- Sabemos disso. No entanto o Sr. conhece as leis e estamos aqui para cumpri-la. – respondeu a voz metálica.
Albert ficou em silêncio. Ele conhecia as leis. Sabia que humanos não eram permitidos vaguear pelas ruas à pé. Ele precisava voltar para casa.
- Entre em nosso veículo. Nós o levaremos de volta para casa. – disse a voz.
Ele se recusou, dizendo:
- Não quero voltar para casa. Estou andando na rua porque estou perdido. Sei em que rua estou e sei como voltar para casa pelas minhas próprias pernas, mas estou perdido dentro de mim mesmo! Não sei para onde vou.
Não houve resposta por um tempo. Albert continuou:
- Há muito perdi a razão de tudo e não tenho mais objetivo na vida. Acordo pela manhã, bato palmas e tenho meu café da manhã na cama. Vou para meu escritório e nem preciso pilotar minha nave, pois ela me leva automaticamente para onde quero. Volto para casa e não há ninguém me esperando lá. Como, bebo e volto para a cama. Acordo pela manhã e tudo acontece novamente. Que sentido há nisso tudo?
A voz metálica respondeu:
-Não entendemos o que diz, não entendemos sua preocupação. Não somos programados para esse tipo pensamento. Nada sentimos, apenas cumprimos a lei. O Sr. deve estar confuso. Por favor, deixe-nos levá-lo para sua casa.
Albert disse:
- Os humanos estão sendo programados como máquinas, para que vivamos sem sentimentos como vocês. Não posso permitir tal coisa. Eu não tenho mais casa. Nunca tive. Não tenho família. Nunca a tive. Não tenho trabalho. Nunca o tive. Não possuo coisa alguma. Nada me pertence, nem mesmo meus sentimentos me pertencem. Pertenço ao sistema, ao governo, ao trabalho (que só se interessa por mim enquanto estou dando-lhes lucro). Se amanhã eu morrer, nem ao menos se lembrarão de meu nome. Não! Não possuo mais nada.
A voz metálica o interrompeu, dizendo:
- Por favor Sr. não nos induza a agir violentamente. Entre em nosso carro e o levaremos para casa são e salvo.
Albert recusou-se e respondeu:
- Se eu voltar para casa, estarei concordando com uma vida sem propósito e sem fundamento. Sei que posso mais do que isso. A vida tem que ser mais do isso. A vida tem que ter felicidade. Não vou encontrar isso se permanecer aqui. Vou encontrá-la, onde quer que ela esteja e quando a encontrar, entenderei o real valor da vida.
E dizendo isso, deu as costas e continuou caminhando até desaparecer na escuridão.

A felicidade está nas pequenas coisas. O homem só será feliz se seu coração estiver voltado para a família, para os amigos e para seu próximo. Viver para o trabalho e para si próprio pode trazer prazeres momentâneos, mas a felicidade está plantada onde existe o amor!


11 comentários:

  1. Olá!
    Fico encantada com a forma que você escreve e nos envolve!
    A mensagem final é muito boa, e penso que muitas pessoas ainda não se deram conta disso!
    Adoro contos com uma mensagem no final! Adorei Valentine!
    bjinhs
    http://diariodeincentivoaleitura.blogspot.com

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  2. Parabéns pelo conto Valentine! Reflete bem a nossa realidade! Beijos!

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  3. Lindo, lindo, lindo !!
    Beijos e parabéns!!!

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  4. Valentine Cirano, você escreve super bem!!! Ficou muito bom o conto, gostei muito, já até indiquei para meus amigos =]

    Gosto de textos que nos envolve, que tem um enredo bacana e uma lição no final, suas frases são muito boas, li o livro Plano de voo e virei seu fã!

    Abraços,
    http://entrepaginasdelivros.blogspot.com/

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  5. Boa noite Valentine,
    Muito lindo o post e a mensagem final sem palavras, parabéns!!!
    Abçs.

    http://devoradordeletras.blogspot.com/

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  6. Parabéns Valentine, você escreve muito bem.

    :**

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  7. E esta nas pequenas coisas mesmooooooo.
    Afinal um pequeno conto já nos passa tanta emoção e conteúdo quanto um livro ^^

    bjuuuu

    e Parabéns

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  8. Que texto incrível! Parabéns pelo talento e obra, Valentine! Bjs.

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  9. Infelismente, a meu ver, o mundo, embora não possua essa tecnologia de sonhos descrita aqui,está muito parecido com isso. A familia perde o seu valor cada dia, os amigos se tornam apenas lembranças embaçadas na memória e os nossos filhos não são mais nossos. Alias, todos nós passamos a ser marionetes de um sistema corrompido, que nos corrompe e manipula a seu bel-prazer. As festas em familia, em datas "especiais", tem mais sentido de consumismo que companheirismo. Isso tudo é muito triste...

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